Historial “Ordenamos, finalmente, que todos os documentos e actas, de qualquer modo respeitantes à Diocese de Viana do castelo, sejam transferidos pela Cúria Bracarense para a de Viana do Castelo, que os guardará religiosamente no seu arquivo” (da Bula da Criação da Diocese).
Os grandes momentos e factos da História da Igreja são fruto, não da vontade e caprichos humanos, mas das conjunturas e movimentos estruturais do presente e passado, sob a supervisão do Espírito.
As instituições e poderes eclesiais concretizam-se no presente e mergulham suas raízes na História. São como árvores frondosas e pujantes que buscam no passado o vigor e justificação.
A Diocese de Viana do Castelo nasceu em 3-XI-1977 pela bula do Papa Paulo VI, “Ad Aptiorem Populi Dei”. Este título traduz o sentido do acto e a sua justificação: “No intuito de mais vantagem proporcionar ao povo de Deus”. Ao mesmo tempo lembra a longa caminhada histórica de amadurecimento dos cristãos do Alto-Minho, sob a acção renovadora e silenciosa do Espírito de Deus, até à plenitude e sua concretização. Foi uma caminhada secular e persistente. Vejamos algumas etapas mais significativas e marcantes.
A Evangelização e Cristianização do NW Peninsular Evangelização e cristianização, na história da Igreja primitiva, representam duas realidades distintas. Aquela diz respeito à implantação das primeiras sementes do Evangelho nesta região. Foi obra esporádica e em trânsito dos cristãos primitivos. Remonto à época apostólica. Aconteceu nos principais centros urbanos e mineiros. Ficou a dever-se ao trabalho de legionários, quadros administrativos e mercadores. Actuavam isoladamente, sem apoio da hierarquia, vindos de Roma e Norte de África. Eram poucos em número e não deixaram testemunhos eloquentes.
Por sua vez a cristianização implicava o estabelecimento de estruturas superiores da hierarquia (bispos e clero) e instituições. Esta apresenta-se no NW peninsular como rara, tardia e atribulada. Os primeiros testemunhos assim o confirmam. No Concílio de Elvira que remonta ao princípio do séc. IV, bem como na célebre Carta de São Cipriano sobre o clero libelático, um pouco anterior, não aparecem referidos bispos com sede nesta zona. “As passiones” explicam a ausência de mártires, no NW, no referido período, pela rarefacção da fé. Há quem classifique a dita cristianização como atribulada e estranha. De facto o cristianismo emerge, no séc. V, do seio de movimentos heréticos e de contestação social como o priscilianismo e “as bagaudae”. A crise do Baixo Império reflectiu-se também na cristianização. Coisa estranha: o cristianismo bracarense, na pessoa do seu primeiro bispo conhecido, isto é, Paterno, nasceu envolvido em heresia priscilianista.
Temos que esperar pela segunda metade do séc. VI para encontrarmos testemunhos inequívocos da implantação das estruturas cristãs e purificadas de doutrinas erróneas. A propósito lembremos os 2 concílios bracarenses (561 e 572), o estabelecimento do monacato, o combate contra os rusticismo e restos de paganismos e, sobretudo, o aparecimento de figuras notáveis na ciência teológica e na santidade, tais como São Martinho de Dume, S. Frutuoso, Idácio de Chaves, Paulo Orósio. Bracara tornou-se admirável centro de cultura teológica e humanismo.
A Administração Eclesiástica de Valença (1385-1514) Na Baixa Idade Média, sécs. XIII a XV, a Igreja percorreu um período de crise profunda que se reflectiu na fé, administração e costumes. Destacamos alguns factos, cujos desvios se tornaram mais evidentes: o exílio do Papa em Avinhão (1309-1377), o Cisma do Ocidente (1378-1417), a Teoria do Conciliarismo, a onda de materialismo e indisciplina. O poder papal aparece enfraquecido. Contudo, a Igreja em si não ficou prostrada. Elementos novos, de entre a crise, vão surgir como sinais de renovação, vitalidade, testemunho. De entre eles, é-nos lícito destacar a criação da “Administração Eclisiástica de Valença em território de Entre Minho e Lima, em 1385.
Segundo o actual Código do Direito Canónico (1983), no seu cân. 381, § 1 e 2, a Administração Apostólica constitui “uma porção do povo de Deus que, em virtude de razões especiais e muito graves, não está erecta em diocese e cujo cuidado pastoral se confia a um Administrador Apostólico que a governa em nome do Sumo Pontífice”, trata-se, pois, em resumo, de um território bem definido, cujo administrador, com poder delegado pelo Papa, governa, a nível pastoral e administrativo, à semelhança do bispo de uma diocese.
O Cisma do Ocidente (1378-1417), que dividiu a cristandade em duas obediências, isto é, o papa de Roma e o papa de Avinhão, permitiu a criação da dita Administração de Valença, que a guerra da Independência (1383-1385) confirmou. De facto, eclesiástica e politicamente, o território de Ente Lima e Minho, desde a fundação da nacionalidade, apresentava uma dupla contradição que não servia os desígnios de Portugal. Por um lado, civilmente, integrava o território nacional, obedecendo aos monarcas portugueses; por outro, eclesiasticamente, fazia parte do território da contígua diocese de Tui.
Constituía uma excepção ao princípio geral, que presidiu à Reconquista, segundo o qual os limites das dioceses deveriam coincidir com as fronteiras do País. Ora aconteceu que o citado Cisma proporcionou a tão desejada correcção quando 3 cónegos de Tui e numeroso clero, fugindo à obediência do Papa de Avinhão, se fixaram em Valença e se constituíram em Colegiada. Este facto foi de imediatamente aprovado pelo rei D. João I. Assim, “por mercê de Deus e da Santa Igreja Romana”, nasceu a Administração Eclesiástica de Valença, com sede na igreja de Santo Estêvão. A sua história tornou-se rica em frutos espirituais e vantajosa para as cores nacionais. Daí em diante muitas questiúnculas e desavenças foram evitadas. Sabemos que a maioria dos seus administradores foram bispos. Os primeiros provieram da Galiza devido ao citado Cisma. Depois, entre 1421 e 1477, os Sumo Pontífices entregaram o referido aos abades da Colegiada de Cedofeita (Porto). Final, querendo reunir condições económicas para a sobrevivência da diocese de Ceuta, os papas anexaram a dita Administração a este bispado do Norte de África.
Nesta altura o território de Entre Minho e Lima contava com 191 paróquias, agrupadas em 2 arcediagados (Cerveira e Labruja), 2 prestomados (Arcos de Valdevez e Valadares), 1 arciprestado (Vinha). Ao mesmo tempo contamos 14 mosteiros e 2 colegiadas (Valença e Viana). Durante a vigência da Administração reuniram-se 3 sínodos em Valença (1444, 1472, 1482) e 1 em Viana (1486). Promulgaram-se 4 constituições. Em 1514, por motivos fúteis e pouco válidos, a dita Administração cessou a sua vigência, sendo o território incorporado, ao tempo do arcebispo D. Diogo de Sousa (1505-1533), na diocese de Braga.
Comarca Eclesiástica de Valença (1514-C.1834) Mais do que hoje, devido às dificuldades de comunicação, os bispos procuravam descentralizar a administração das suas dioceses, recorrendo à divisão do território diocesano em comarcas. Na diocese de Braga são conhecidas seis, saber: Braga, Chaves, Vila Real, Bragança, Torre de Moncorvo e Valença. Exceptuando a primeira, as restantes foram fixadas nas regiões mais afastadas da sede do poder. A maioria ficou a dever-se à iniciativa pastoral de D. Diogo de Sousa. Bragança, Vila Real e Valença, mais tarde, deram origem a novas Dioceses. Cada uma era presidida por um Vigário-Geral, com poder delegado, e coadjuvado, nas diferentes áreas, por ministros vários e funcionários judiciais e administrativos. Possuíam regimentos e listagem de taxas próprias. A partir de final do séc. XVIII, com a limitação da auditoria, as comarcas entraram em lenta agonia. A legislação liberal da década de trinta do séc. XIX deu o golpe final, ao acabar com a jurisdição civil do tribunal eclesiástico, os aljubes e tribunal da legacia.
O último vigário geral de Valença foi o Pe. António José de Oliveira, pároco de Cerdal, que, ao falecer em 1935, por imperativo do novo CDC (1918), encerrou a vigência da dita Comarca, sendo seu arquivo incorporado no Arquivo Distrital de Braga.
Na história desta Instituição, cuja actuação e frutos espirituais não é possível ocultar, destacamos três factos deveras significativos, que passamos a recordar. O primeiro diz respeito ao incremento da pastoral das Visitações diocesanas quer paroquiais. Trata-se de uma figura que provinha da igreja primitiva e apostólica e que teve o seu auge no séc. XVIII. Eram presididas pelo bispo diocesano ou por altas figuras do clero secular, mormente ligadas ao cabido. Obedeciam a regimentos e possuíam roteiros. Tudo estava regulado. A sua finalidade não se limitava à catequese e vigilância. A correcção dos costumes e escândalos morais, através das célebres devassas, ficaram na memória das populações. Na Comarca de Valença foram 5 os círculos visitacionais: Arciprestado da Vinha, Arcediagado de Cerveira, Arcediagado da Labruja, Prestomado de Valdevez e Prestomado de Valadares. No séc. XVIII algumas destas circunscrições aparecem subdivididas.
Outro facto, que nos prende a atenção, diz respeito ao enraizamento da piedade apaixonada e da arte barroca. Trata-se de uma característica em foco, no séc. XVIII, em todo Alto-Minho. As devoções predominantes, no âmbito da religiosidade popular, eram aquelas que traduziam sentimentos fortes, espectaculares e ruidosos, centrados na dor, morte e deslumbramento. Recordamos as devoções do Senhor dos Passos, Aflitos, Via-sacra, Ressurreição, ou Senhora d’Agonia e celebração dos martírios. A oratória, a música e escultura-arquitectura reflectem esta tendência. As torres sineiras do Alto-Minho, pela sua leveza e altura, são as mais belas de todo o barroco português.
Finalmente queremos chamar a atenção, neste período, para o emergir de Viana, mercê da exploração comercial das rotas atlânticas e da mineração do ouro brasileiro, como principal centro urbano e administrativo de todo o Alto-Minho, embreando com Braga e Porto. Ultrapassando Valença, preparava-se para lhe suceder, na esfera religiosa, como cabeça da nova diocese. Aliás todo o Alto-Minho foi tocado por uma onda demográfica notável, ligada à revolução do milho - vinho e emigração.
Deste modo não se deve estranhar que surgisse a ideia da criação de uma diocese para esta região. O poder civil e o povo fiel assim o entendiam. Não se tratava de puro bairrismo. Antes podemos ver neste facto uma consequência da evolução cultural, económico-social e cristã da conjuntura. O ano de 1545 foi o momento certo. D. João III (1521-1557), depois de obter as Bulas da criação das dioceses de Leiria e Miranda, mandou organizar idênticos processos relativamente a Viana, Freixo de Espada à Cinta, Covilhã e Abrantes.
Infelizmente não tiveram êxito. Viana apresentava-se como a primeira candidata. Os argumentos eram válidos mas pouco convincentes. Foi uma desilusão que marcou profundamente a alma dos alto-minhotos. A crise de relações entre a Igreja e o Estado português durante a maior parte do séc. XIX e princípios do seguinte, mormente com a implantação das ideologias liberais e do republicanismo, fez esquecer, aos fiéis desta região, a ideia da diocese. Faltava a colaboração do poder civil e clerical. Somente pelos anos vinte do século passado, num período de reacção, unidade e efervescência contra a sanha e devastação da República, se volta a falar do assunto. Surgem movimentos de consciencialização e apoio financeiro; são enviadas ao Papa exposições e mensagens; procura-se que o episcopado tome conhecimento das vantagens. É certo que, por vezes, se cometeram excessos de bairrismo balofo e se misturou política com religião. Contudo, o movimento tornou-se imparável. Quando alguma descrença começava a pairar, eis que surge a jubilosa notícia: Viana é Diocese. Aconteceu em 3 de Novembro de 1977 pela Bula do Papa Paulo VI “Ad Aptiorem Populi Dei”.
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